Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência no Espírito Santo estão expostos a um alto risco de revitimização ao acessarem os serviços públicos destinados a protegê-los. A constatação é do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), que realizou uma fiscalização nos órgãos estaduais que integram o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). O processo foi julgado na sessão virtual do Plenário realizada na última quinta-feira (3), com relatoria do conselheiro Rodrigo Chamoun.
O levantamento revelou deficiências significativas na eficácia e na segurança das ações voltadas à prevenção e ao enfrentamento da violência contra esse público. Segundo o TCE-ES, há urgência na adoção de medidas estruturantes para fortalecer a rede de proteção e garantir um atendimento integrado e qualificado, respeitando os direitos e a integridade de crianças e adolescentes.
A fiscalização, que integra um esforço nacional coordenado pela Atricon, avaliou a atuação do Executivo Estadual, do Ministério Público Estadual (MPES), da Defensoria Pública (DPE-ES) e do Tribunal de Justiça (TJES), entre 2023 e 2024. Foram analisados quatro eixos principais: Governança, Prevenção, Repressão e Acolhimento, além de Dados e Estatísticas.
Entre os problemas identificados, destacam-se:
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Falta de articulação entre os órgãos do SGDCA, dificultando a execução coordenada das políticas públicas.
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Ausência de um Plano Estadual específico para enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.
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Déficit na capacitação de profissionais da rede de atendimento, comprometendo a qualidade e a humanização dos serviços.
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Orçamento insuficiente e subutilizado: em 2024, apenas 17% da dotação para fortalecimento do SGDCA foi executada.
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Inexistência de protocolos prioritários para a primeira infância, grupo mais vulnerável a traumas.
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Falta de um Centro de Atendimento Integrado para evitar múltiplos atendimentos e a revitimização.
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Ausência de escuta especializada na maioria dos órgãos.
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Sistemas de dados desconectados, impedindo o acompanhamento eficaz dos casos.
De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (Sesp), apenas em 2023 foram registrados 4.502 boletins de ocorrência relacionados a crimes contra crianças e adolescentes no Espírito Santo. Entre janeiro e agosto de 2024, já foram 2.806 registros. Os crimes mais comuns são lesão corporal, estupro, maus-tratos e ameaça.
A área técnica do TCE-ES reforça que, sem ações efetivas e bem coordenadas, há um sério risco de que os direitos constitucionais das crianças e adolescentes continuem sendo negligenciados. “É fundamental que haja o fortalecimento das estratégias de governança, com fluxos de atendimento bem definidos, infraestrutura adequada e garantia de recursos específicos”, destaca o relatório.
O levantamento também se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente ao ODS 16, que trata de paz, justiça e instituições eficazes. Mas os dados se conectam ainda aos ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), ODS 4 (Educação de Qualidade), ODS 5 (Igualdade de Gênero), ODS 8 (Trabalho Decente) e ODS 11 (Cidades Sustentáveis).
Como encaminhamento, o Tribunal emitiu 17 recomendações visando melhorar a articulação e os fluxos entre as instituições envolvidas. O relatório final foi encaminhado à Secretaria-Geral de Controle Externo para o planejamento de novas ações de controle.
Com esse trabalho, o TCE-ES reafirma seu compromisso com a proteção da infância e adolescência e com a promoção de políticas públicas mais eficazes, justas e humanizadas no Espírito Santo.
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